terça-feira, 16 de junho de 2009

Marrocos (2002)

Em Julho de 2002 parti no meu Ford Fiesta velhinho e muito, muito rodado com rumo a Marrocos. Estava prestes a acrescentar-lhe mais uns bons kms em cima dos mais de 400 mil que já tinha e ainda uma boa mão de aventuras e peripécias! Era também a minha 1ª viagem a um país cultural e socialmente diferente do mundo ocidental no geral. Seria o meu 1º choque cultural! Para isso contribui obviamente o facto de ser um país com uma religião bastante distinta do cristianismo como é o islamismo. Com poucos preparativos e munidos de passaporte saímos de Samora Correia bem cedo e em 7 horas já estávamos em Algeciras para apanhar o barco para Ceuta. A viagem de ferry é também ela rápida e muito confortável. Chegados à fronteira e aos serviços alfandegários de Marrocos foi imediata a constatação das diferenças de organização e funcionamento destes 2 mundos que embora tão perto são imensamente distintos! A fila para registar e carimbar a entrada era enorme bem como o assédio dos muitos transeuntes oportunistas que se faziam passar por assistentes dos serviços fronteiriços. Insistiam que conseguiam, a troco de 5-10 ou mesmo 15 euros passar-nos à frente da fila e tratar-nos da papelada poupando tempo. E completamente ingénuo caí na esparrela e passei o dinheiro para a mão dele na esperança da tão esperada poupança de tempo. Ele trouxe-me um papel assinado por não sei bem quem e deu-me a indicação de que deveria esperar mais um pouco. A única facilidade que obtivemos foi passar para uma fila com menos 2 carros mas o tempo de espera foi praticamente o mesmo e ao apresentar o dito papel, o guarda alfandegário ignorou-o dizendo que não valia nada. Ainda na fronteira fizemos um seguro próprio para o carro que creio ser obrigatório na altura pois a carta verde não tem validade em grande parte dos países africanos. Em Marrocos não existiam seguros, as disputas eram resolvidas na altura entre os envolvidos no acidente e quem fosse o culpado teria que pagar o estrago ficando apenas a honra e integridade como garantia! Muito estranho, mas era mesmo assim! E não foram necessários muitos kms para rezarmos e implorarmos que o dito seguro fosse mesmo verdadeiro e funcionasse mesmo tal não é a maneira louca de conduzir destes marroquinos: ultrapassagens nas curvas, ultrapassagens com carros de frente, desrespeito por stops e outras sinaléticas, etc…etc… Só respeitam mesmo as brigadas policiais e militares que vão frequentemente surgindo pela estrada.
O nosso 1º destino era Chefchauoen, uma pequena vila no interior norte do país. Pelo caminho passámos por Tetouan, onde fizemos uma breve paragem mas o ambiente degradado e as caras escuras e assustadoras dos locais levaram-nos rápido a prosseguir caminho! Ainda íamos demorar uns 2 dias a acostumar-nos a esta estranha realidade!















Chefchauoen é sem duvida uma vila encantadora com ruas estreitas por onde passeiam comerciantes com os seus burros , as casas caiadas de branco, outras de azul turquesa dão um toque muito castiço e envolvente a esse lugar. Na praça central da vila temos uns cafés muito acolhedores onde pelo chão, nos puffs ou em cadeiras de rede descansam alguns turistas gozando da tranquilidade quotidiana enquanto disfrutam de um revigorante chá e de uma cachimbada aromática. Pernoitámos 2 noites que bastaram para nos deixar envolver pela magia e serenidade deste local.




















Daqui prosseguimos para Rabat, a capital do Reino! As estradas são de boa qualidade e como tal as viagens são relativamente rápidas e cómodas. Como não tínhamos quaisquer hotéis marcados optámos sempre por partir pela manhã, entre as 9 e as 10h, para podermos fazer a viagem de dia e chegarmos de dia ao destino de modo a facilitar a procura de local para ficar. Marrocos é um país seguro mas viajar de dia é a melhor opção para evitar problemas de maior! A forte presença militar e as severas leis para os infractores são dissuasoras da prática do crime.






Em Rabat, com os seus 1,5 milhões de habitantes, sentimos na pele o caos e a confusão de uma grande capital… principalmente no trânsito! Encontrar um hotel também não é fácil pois os baratos são demasiado baratos e as condições são, na maioria desanimadoras, e os hotéis mais caros são realmente caros, ainda que muito charmosos e opulentos. Nesta cidade ficámos apenas uma noite e deu para visitarmos alguns dos monumentos estatais e do reino mais interessantes, ver de fora a opulência do palácio e residência do Rei Hassan II e passear na Medina (parte velha e zona comercial de qualquer cidade marroquina).
De partida para Casablanca vivemos mais uma aventura um pouco mais assustadora pois a policia militar, sempre fortemente armada, confundiu-nos com um outro carro estrangeiro e quando passávamos perto de uma zona residencial de membros do governo e do Reino fomos bruscamente mandados parar com metralhadoras apontadas enquanto um dos militares falava com alguém por rádio. Passados uns minutos lá nos mandaram avançar e seguir caminho com a mesma brutidade que nos tinham mandado parar.
Em Casablanca destaco a grandiosa e riquíssima mesquita Hassan II. É das poucas mesquitas que os ocidentais podem visitar e vale todos os minutos e esforços pois recordar-me-ei sempre dos belos mármores importados e incrivelmente bem trabalhados e esculpidos, dos fantásticos e enormes candeeiros de cristal de Murano (Veneza) e por fim o tecto que abria automaticamente, como que por magia, e deslizava em todo o seu comprimento de modo a que os fieis possam rezar directamente para o céu.















Já para sair de Casablanca foi de novo o caos pois, com mais de 3 milhões de habitantes, os carros são mais que muitos e as regras e sinais nos cruzamentos são inexistentes. A certa altura dou comigo com o carro parado no meio de um cruzamento sem conseguir avançar um metro que fosse durante mais de 5 minutos, com carros a passar por todos o lados enquanto buzinavam ferozmente e eu, em desespero e depois de fechar os olhos sem saber o que fazer, lá arranjei um pouco de coragem e, ao som de buzinadelas desenfreadas, avancei destemido à bruta também! Foi o único modo de sair dali!
O destino era Marrakech, mais a sul e uma das portas para o deserto do Sahara!
E Marrakech reservava-nos uma agradável surpresa: era uma autêntica cidade de mil e uma noites com toda a confusão e caos de uma grande cidade! Aqui a oferta hoteleira é mais vasta e embora um pouco mais cara permite um hotel de 3 estrelas com piscina por um preço convidativo. Ficámos numas das muitas avenidas largas ladeadas de hotéis que davam acesso ao centro e à parte mais antiga. A cidade tem muitos pontos de interesse mas o lugar mais incrível, para mim até mesmo de toda a viagem, é a Praça Jeema El Fna. Uma grande praça rodeada de bancadas e pequenas lojas e bem no centro confluem centenas de pessoas vindas de todas as partes de África predominando os Berberes e os subsaharianos que, após percorrerem milhares de kms, aqui vêm para mostrar e vender os seus artefactos e mercadorias e proporcionando espectáculos de faquires, encantamento de serpentes, comedores de fogo e muitas outras artes. É uma autêntica Babel, um pólo de cultura como haverá poucos em todo o continente africano!










































Inesquecível! Encontramos aqui coisas tão singulares como dentaduras e partes delas à venda arrancadas aos mortos, peças de rádios, televisões ou outros electrodomésticos, sapatos e ténis usados sem o respectivo par, frutas, alimentos, animais, e muito mais… É de noite que a praça ganha uma vida ainda mais mágica sendo lotada pelos turistas e locais.
A Medina e zona comercial mais antiga é bastante interessante e o turista deverá deixar-se perder pelas ruelas repletas de bancas, pelos cheiros das comidas de rua, visitar as farmácias tradicionais ou as grandes lojas de tapetes comprando nem que seja uma pequena lembrança contribuindo assim para este frenesim comercial. O almoço de um dos dias em Marrakech acabou por ser numa dessas ruas estreitas, numa mesa e cadeiras improvisadas com caixas vazias de refrigerantes, no chão, com umas brochetes na brasa e 2 sumos de laranja naturais. Aliás, o sumo de laranja tal como os caracóis vendem-se por todo o Marrocos e são absolutamente deliciosos, onde quer que fosse! Recomendo também as tagines, que são panelas de barro afuniladas onde se cozinham carne de frango ou borrego, ou o cous-cous, uma espécie de cozido a portuguesa com legumes e carne cozidos acompanhados por uma massa granulada fininha.










No regresso para Portugal desde Marrakech as aventuras continuavam e depois de um calor infernal num carro sem ar condicionado, um pó do deserto tão fino que passado um ano ainda persistia nos recantos mais recônditos do carro, tivemos ainda um furo. Para arrematar decidi ainda ser um verdadeiro marroquino e fazer uma ultrapassagem em pleno risco contínuo e, por azar, estavam 2 policias mais à frente, de óculos escuros e metralhadora na mão. Um deles mandou-me encostar e começou a sorrir sarcasticamente enquanto perguntava se eu sabia o que tinha feito! Começou com a conversa habitual de assustar o turista e depois… abriu o pequeno livro que tinha e disse para colocar a carta bem como algum dinheiro! Como não tinha mais nada lá foram 20 eurinhos que deviam equivaler a 3 ou 4 dias de trabalho para ele!
Pelo caminho ficámos uma noite em El Jadida, uma zona balnear, antiga colónia portuguesa de nome Mazagão e que conta ainda com as bem conservadas muralhas e a cisterna da fortaleza. É uma zona de muita oferta turística e a praia é de relativa qualidade. Antes de regressarmos a Portugal restavam-nos uns 3 dias para descansarmos na praia e experimentámos a zona costeira voltada para o Mediterrâneo entre Tetouan e Al Houceima mas as praias não eram tão bonitas como esperávamos e a oferta hoteleira era quase exclusiva a resorts mais dispendiosos e sem grandes estruturas (comercio e outros) à sua volta. Optámos antes pelo sul de Espanha onde descansámos desta verdadeira aventura!
Foi um 1º contacto com um povo muçulmano, em muito diferente da nossa realidade ocidental mas sempre muito disposto a ajudar e com curiosidade de saber mais sobre nós! Revelou-se uma viagem muito enriquecedora de todos os pontos de vista e Marrocos talvez seja um dos países muçulmanos mais preparados e “abertos” para receber o turista proporcionando uma excelente oportunidade para que os portugueses, de uma forma “pacífica” e fácil, possam viver uma experiência única muito interessante.

2 comentários:

  1. Obrigada por me fazer reviver a minha viagem a Marrocos em 1998!
    De facto as duas cidades que relata, Casablanca e Rabat, são tudo isso e muito mais!...
    A inesquecivel Marracketch... O deserto do Atlas.. Enfim!!! Saudades...
    Isabel

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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